quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Ah, é assim.


Ao tocar com as mãos um palco de verdade, sabia que tocava em algo além de si, caloura de tudo naquele mundo. Mal conhecia a vida de ouvinte, que dirá de falante, de cantora. A generosidade e a gratuidade eram novidades. Conheceu a cochia, a amnésia, o tremor, as luzes, la gracia de la vida, lo regalo, the gift, o presente como presente, sem necessidade do suor do rosto, responsabilizando-se pelas notas, pelos tempos, pelas claves, pela melodia, e talvez nem isso, posto que não estava só. Conheceu cantantes de todos os naipes, e um maestro de verdade, que, brincando, fez rir e chorar. "Eu seguro minha mão na sua para que juntos possamos fazer aquilo que eu não posso, aquilo que eu não devo, e aquilo que eu não vou fazer sozinho. MERDA!" Então entendeu: ah, é assim. 

Com o suor do teu rosto


Sentiu emoção incomum ao consagrar como palco uma escada de cimento que liga o subsolo ao térreo do prédio comercial da vizinhança. Obteve a permissão de estar ali, naquele palco improvisado, com o suor do seu rosto, responsabilizando-se pela faxina, pelo tempo, pela chuva, pelo sol, pelo estacionamento dos carros, pelas notas e pautas; apaziguando gritos e sussuros, dizeres e silêncios; administrando as contas, os espaços, as barracas, os artesãos, os pequenos golpes dos atentos espertinhos de plantão, as briguinhas, as vaidades e indignações mortais diante de um pequeno vibratto mal executado. E entortando (novamente) as curvas da probabilidade, a música tirou de si o sorriso transcendente: aum baê aum baê aum baê.