segunda-feira, 22 de abril de 2013

Canto do traidor

Mentir não vos bastou. Usastes a antiga técnica para fazer-nos tolos: pedistes sempre algo a mais, algo fora do contexto, mais uma isso, mais um aquilo, num ziguezaguear de mais do menos, de mais do nada. Usastes demais o futuro do pretérito do indicativo para aparentar uma esperteza que elucida vossa tolice, novamente a tolice, palavra que se repete em vossa presença. Enfatizastes a falta, como se a falta fosse nossa, e não vossa. A falta ainda é vossa, senhor, pois não lidastes com tolos ou pessoas despreparadas. Tendes como interlocutores pessoas que há muito deixaram as tolices infantis, como a vossa, quando afirmastes, de bochechas imundas de chocolate, que não comestes o bolo. Comestes por certo. Comestes, roubastes, corrompestes, enganastes. Lembrais da figura do amante do divórcio, que é descartado ao raiar do dia. Lembrais do canto do traidor. Lembrais da roda inexoravelmente viva, movimentando os ares, os mares, as águas, as terras e os tolos, como vós. 

Inominável

Querida tia Annita, lhe mando este bilhete pelo Edson, que deu na telha e resolveu viajar para se despedir deste alemão inominável, que aquele terremoto, nós sabemos, errou a mira. Sempre soubemos que boa coisa não poderia vir dali. Fico pensando se Edson viajou por puro deboche, ficar lá praça, com lenço branco, como quem mostra os pulsos e diz que já vai tarde, com o sorriso falso pelo motivo verdadeiro. É de se agradecer o velho Alê já esteja morto, enterrado e rezado para não ver este estado das coisas, para não ver este velho hipócrita e corrupto posar de santo. É de se agradecer o legado dos sentimentos passados, aos gritos, que envolveram o amor arqueometricamente estruturado nos colos, na dança dos seus olhos, aos pés da Virgo Praedicanda, tendo ao fundo o doce batuque dos tambores-coração.