segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Dois em um

Dois anos em um: entende agora como o ano não havia começado, e já era maio? Quatro anos em três e meio: a sensação de terminar antes, sem notar que tudo começou com dois anos de antecedência. Cinco anos em oito, com ligeiro intervalo de seis meses para tratar dos comezinhos cotidianos, como por exemplo, o próprio sustento. Noventa e quatro, noventa e seis, noventa e nove... Somas que não batem, sobram e faltam, pela intensidade e pela carência, na possibilidade da maturação necessária, pois não basta entender, é preciso sentir. Sentir o tempo, como quem tenta navegar na ilusão.

Milênios

Milênios de trabalho. Decênios de compromissos, agendas, listas, tarefas, a própria definição prática de infinito, insaciável, irrecuperável, impagável, impossível. Dívidas que só mesmo uma escrava, sem cidadania, poderia significar como quase honra pelo pouco valor dado exclusivamente à sua imensa força de trabalho. Como se o trabalho existisse por si mesmo, um deus independente, etéreo e auto-suficiente, a ser louvado e mimado; a ser servido aos seus propósitos, e com alguma misericórdia, jogasse pedacinhos de pão, comidos com grande agradecimento. Como se o próprio pão não viesse da alma, do coração, do afeto, essas palavras bregas e perigosas. 

Anteontem

O pacto de anteontem parece ainda hoje necessário: quero estar aqui. O que foi escrito já se perdeu, não resistiu às necessidades preementes de abrir espaço, de limpeza, de mudanças, de tornar habitável qualquer lugar onde se more. O que foi marcado em brasa, para delimitar a propriedade sobre si, já cicatrizou faz tempo, ficou a marca e a fama, esta com quase nenhum moral, parece difícil acreditar, o que em si é sempre engraçado: é difícil acreditar que é difícil acreditar.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Diferentes

Vermelho, laranja, branco. As cores pareciam perfeitas para início de conversa, para início da estação das flores, tão diferentes entre si, únicas. Folhas? Não, não necessariamente, porque é preciso desistir de certas coisas. Sem esquecer a doença, que contamina a realidade, e dá a exata medida do humano, do terreno, do sombrio essencial. Cada uma possui, em medidas divergentes, exatamente as mesmas cores, até nas sombras, até nas doenças, até ser humano. Lembrando do pacto firmado anteontem: quero estar aqui.

Raiva Pop

Com tantos passarinhos fora dos ninhos, decidiu colher três para cuidar. Como se houvesse lógica em saber atravessar as ruas gramadas rumo à casa coletiva, onde se cozinhava do bom e do melhor, nos panelões ancestrais de ferro, fogo e estrutura bem montada. Do outro lado da rua, o contraste fica por conta do preto e amarelo com fundo branco. Um grande xis da questão, como quem corta no ar, como quem empunha uma espada, como quem diz ‘basta’. E já traz à consciência a clareza de que os passarinhos fora dos ninhos estão morrendo, e há pouco o que se possa fazer.

Roda

Tem centro de luz, e as cores chegam devagar, circulares, algumas dúvidas, poucos raios, e uma doença irritante, como pontinhos escurecidos, que vai se espalhando, sorrateira e visível. É preciso ocupar o espaço, seja com cores, seja com luzes, seja com negrume pontilhado, quase estragando o desenho. São lápis diferentes, alguns molhados com água colorida, para dar efeito, como num filme, como um ensimesmamento didático, reconfortante, quase um colo. Com música, então, é o silêncio ideal, de alma e de vida, como um descanso.

Bravateiro

O melhor do bravateiro é ser, acima de tudo, engraçado. "Bóson de Higgs? Na minha terra é vendido sabor laranja desde os anos 70". "Pois se não foi na fazenda do meu avô que se cunhou o ditado ‘enquanto descansa carrega pedras’, e está aí o muro que não me deixa mentir". "Meu pai, quando andava de bicicleta com Getúlio Vargas, sempre conversava sobre política". "Foi ao lado da minha casa que se idealizou esta cidade". "A estátua no coreto da praça? É meu tio bastardo, que jamais reconheceu suas origens humildes". "Plutão? Sempre desconfiei de que não era um planeta, assim, na máxima concepção da palavra".

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cincoenta

Aos trinta passou a marcar a página do livro equivalente à idade. Aos trinta e dois, Cem Anos de Solidão. Aos trinta e cinco, Menina a Caminho. Aos trinta e nove, Ecce Homo. Aos quarenta, Coming of age in Samoa. The Shining aos quarenta e três. Relatos de um Certo Oriente aos quarenta e cinco. Aos quarenta e oito, Resposta a Jó. E ainda tantos sem data: Doce Cuentos Peregrinos,  Evangelho Segundo Saramago, Caim. Sem contas para seguir a bússula das coisas da moda. Paciência que se esvai para o que é não-caminho. Medidas e números com sentidos que se derretem na simplicidade das coisas. Cincoenta. Cinqüenta. Cinquenta. 50.