quarta-feira, 22 de julho de 2009

Terremoto

Querida tia Annita, lhe mando este bilhete pelo Edson. Sempre vivemos tão próximas, e agora com a sua volta para Ozzano, o Atlântico nos separa. Quero lhe dizer que tenho acompanhado as notícias deste terremoto com muito pesar, mas confesso que agradeci ter sido distante da nossa Bologna. No mais, não se aborreça com o que fala Berlusconi. Bem sabemos de onde veio este milanês sem coração, amigo de Natzinger, digo, Ratzinger. Aqui se comenta que por um pouquinho mais a oeste, esses tremores teriam derrubado a casa certa. Minhas saudações ao primo Ettore, tio Pietro e tia Rosa, e explique para tio Luigi que nunca houve uma Virgem-Pé-de-Cana na fazenda: era apenas a forma como o povo pronunciava Virgo Praedicanda da missa do Padre Amedeo.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Rato

Aquela sua foto 3x4, de olhos vermelhos e pele branquinha, não nega o apelido que você mesmo cunhou: rato. Rato pequeno, enganoso, sutil e manipulador: rato. Rato que entra e sai pelas beiradas, que não age, reage, que come rapidinho, olhando para os lados, à espreita de um predador ou de mais uma oportunidade: rato. Animalzinho de estimação, mantido fácil com ração industrializada, com cuidado necessário para controlar as pragas e a reprodução. Bicho noturno, rato de igreja, rato de lixão, ninho de ratos (mamí-feros) debaixo da poltrona sebosa e familiar, com direito a sotaque forçado, usado, amassado, desgastado, descolorido. Ufa! Haja rato.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Discreta

Estefânia Tereza Carvalho do Carmo aproveitava as viagens dos pais novos-ricos para acampar, de mala e cuia, na casa distante, pequena e decadente de Odélia, Odília, Otacília e Odete, empregadas pobres do interior tentando a vida na cidade grande. Estefânia esvaziava a dispensa e garantia a estadia, em grande estilo, entre pessoas que jamais entenderam aquele movimento. Mas e daí que Odélia, Odília, Otacília, Odete e os parentes se confundiam com aquela presença? Nem por isso lhe tirava o gosto de tudo que foi vivido: as histórias de mato, as recordações das colheitas, as orações matinais, as frases de sabedoria interiorana, o colorido da louça mosaico do descarte das patroas, os chás de folhas, os doces baratos, as mãos enrugadas, e a nobreza escondida, discreta.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Copo

Era estranho como Sr.Timorato Campos exibia sua jovem esposa. À mesa, batia o copo com a altivez com que um apresentador circence bate o bastão na arena anunciando ao respeitável público o início de mais um número. Imediatamente, a jovem esposa se levantava e o servia no que fosse preciso: uma porção a mais de lasanha, uma coxa especialmente reservada, o completar do copo. Os olhares cúmplices indicavam que calar-se era a melhor opção para nós, crianças. É. Essa eu vi.