terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Terra Santa

Depois que ouviu Ana ler em tom solene, com dedo em riste, em bom português, a famosa passagem do Liber Exodus, ninguém mais viu Seu Benício com qualquer tipo de calçado. ‘É terra santa’, dizia e repetia: ‘é terra santa’, ‘toda terra é santa’. Passou a conversar com os rios, negociar com a chuva, dar notícias da vila para as mangueiras do terreiro. Com as mãos acarinhava cada folha da samambaia velha do varandão, e uma vez chorou, com emoção de parto e nascimento, diante dos brotos de arroz no brejinho. 'Toda terra é santa', repetia com sorriso transcendente, inatingível, de quem entendeu e guarda um segredo bom: 'toda terra é santa'. Tio Luigi guardava por ele um respeito infantil, e o considerava um sábio, e se não fosse o medo das cobras, ele mesmo iria para o mato descalço.