segunda-feira, 19 de abril de 2010

Negro

Ana, na maturidade, voltou a Ouro Preto. Foi lá quando criança, a contra-gosto, arrastada pela família que considerava elegante listar as cidades visitadas nas férias, como indicador claro de quem vive boa situação financeira. Sabendo que o destino brinca, sem dó com os sentimentos, decidiu brincar também e estar na cidade, assumindo que tudo muda. Refez a experiência de horror da infância diante do barroco, e pode, finalmente, apreciar a beleza da vida e da morte, dubiedade fundamental agora já integrada na alma. Mas foi na lanchonete modernosa edificada nos escombros da praça, ao entardecer, que se deu conta que lá estava ele, invisível a olho nu, parado no pilar, meio escondido, olhando Ana como se apreciasse alguém da própria família. Era jovem, forte, negro, com largas bochechas que se abriram num sorriso quando percebeu que Ana lhe retribuia, não sem um certo temor, o afeto e a consideração.