terça-feira, 27 de abril de 2010

Voz do pai

Fazia tempo que ninguém mais ouvira falar de Nelinha, desde o dia em que ela deixou sem lavar a louça do desjejum, e ali mesmo, na pia da cozinha, escreveu e assinou um bilhete de pouquíssimas palavras: ‘é preciso saber viver’. No alvoroço e na falação própria da cidade, com as mais variadas versões sobre o sumiço de Nelinha, Sr.Timorato Campos, sempre ridico, zeloso e fofoqueiro, fez as contas: ela levara, na mala do casamento, algumas peças de roupas, os documentos pessoais, o dinheiro do pote, o pente de marfim dado pela avó materna aos 15 anos, e a caneta tinteiro Parker, presente do pai quando ela nasceu. O pai, homem sisudo e cismado, fechadão e difícil, não permitia intimidades de comentários, nem dentro nem fora de casa. Fazia tempo que ninguém mais o ouvira falar de Nelinha. E ele nem se dava conta que a história mal havia começado.