Não era normal. Aquela criança ficava horas sentada à mesa até que terminasse de empurrar pela garganta, porção a porção, toda a quantidade designada da comida. Os horários ela sabia de cor, lidos no relógio com precisão. O desjejum, 5:30 às 9:30 da manhã. O almoço, 11:00 às 15:00. A banana da terra, de 15:30 às 17:30. O jantar, de 17:30 até às 19:00, hora de criança dormir. Comida melada, descolorida, empastada, enegrecida, misturada, empapada, feia e fria, comida de adulto, em prato adulto, em quantidade adulta, feita por adultos, num silêncio adulto, em disciplina rigorosa adulta. Asco e horror durante todo o dia, sem rir, sem falar, um pé, o outro, uma mão, a outra, uma palma, porção a porção, náusea, dor, solidão, silêncio: boca é só para comer. Horas e horas e horas olhando fixamente, buscando perceber o movimento sutil do ponteiro, do maior e até do menor.