quarta-feira, 14 de julho de 2010

Relógio

Não era normal. Aquela criança ficava horas olhando fixamente o relógio na parede. Horas. Um relógio vindo de além-mar, antigo, relíquia de gerações. No vidro da frente, algodão suave embebido em álcool; dois ponteiros e o pêndulo lustrados como se fossem de bronze raro; números esguios, claros e elegantes sob fundo branco; marca bem posicionada entre o centro e o seis; na madeira feltro e boa cera; corda reabastecida para garantir que jamais parasse; ajustado no prego, no centro da parede coluna, no centro da sala de jantar, no centro da casa alugada desde tempos imemoriais. Um toque de blam, preciso, baixo, mas firme a cada 30 minutos. Música compassada e toques fortes, militares, de blans e blans correspondentes ao número de horas, só para quem sabia contar, claro. Horas e horas e horas olhando fixamente, buscando perceber a mágica do movimento sutil dos ponteiros, do grande e do pequeno.