quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

De não

Era como pagar uma promessa viajar para a beira-mar. E talvez fosse mesmo só por promessa à mais terrível das deusas, sua própria consciência, que voluntariamente se deslocava para aquele lugar úmido e sombrio, à beira-mar. Já não fazia parte daquelas coisas, se é que algum dia fez, levava um tempo para se enquadrar, como um fuso horário impossível. Também já não fazia parte daqueles desrespeitos todos, profunda desconsideração pela vida, à beira-mar. Desacostumou do mormaço, do vento, da areia, não achava mais normal usar aqueles trajes em público, o público, o público: esse expectador negligente, essa testemunha corrupta de todos os espetáculos dessa vida. Água saloba, o tempo é outro, atolado nessa estrada perigosa dos segredos banidos. É hora de vestir-se de invisível, de muda, de surda, de não.